As razões do escritor para não comer alimentos de origem animal – Por Richard Phillips (1811) [tradução livre]
Tradução Livre | Eder Capobianco
Publicado originalmente em 27 de julho de 1811, no periódico The Medical and Physical Journal.
I – Porque, sendo ele próprio mortal, e mantendo a sua vida na mesma incerteza e precariedade que todos os outros seres frágeis, não se sente justificado por qualquer suposta superioridade, ou desigualdade de condição, ao destruir o gozo vital de qualquer outro mortal, exceto na defesa necessária da sua própria vida.
II – Porque o desejo da vida é tão primordial, e tão afetuosamente querido em todos os seres sensíveis, que ele não pode conciliá-lo com os seus sentimentos de destruir, ou tornar-se uma parte voluntária na destruição, de qualquer ser vivo, não importa quanto esteja ao seu alcance, ou aparentemente insignificante seja.
III – Porque sente uma repugnância absoluta e insuperável ao receber no seu estômago a carne ou os sumos de animais falecidos.
IV – Porque sente a mesma repulsa contra devorar carne em geral, que ouve homens carnívoros expressarem-se contra comer carne humana, ou a carne de cães, gatos, cavalos, ou outros animais, o que em alguns países não é habitual para os homens carnívoros devorarem.
V – Porque a Natureza parece ter feito uma provisão superabundante para a alimentação dos animais, no caso da sacarina de raízes e frutos; na questão da farinácea de grãos, sementes e leguminosas, e no caso das oleaginosa dos caules, folhas, e pericarpos de numerosos vegetais.
VI – Porque a destruição do mecanismo mecânico dos vegetais não inflige sofrimento sensível, nem viola qualquer sentimento moral, enquanto os vegetais servem para sustentar a sua saúde, força, um espírito, acima dos da maioria dos homens carnívoros.
VII – Porque, durante trinta anos de rígida abstinência de carne e dos sumos de seres frágeis falecidos, ele descobre que não sofreu um dia de doença grave; que a sua força e vigor animal foram iguais ou superiores aos de outros homens; e que a sua mente tem estado totalmente à altura de numerosos abalos que teve de enfrentar por causa da malícia, inveja e vários atos torpes dos seus semelhantes.
VIII – Porque, observando que as propensões carnívoras entre os animais são acompanhadas de uma total falta de sentimento de empatia, e de sentimentos humanos, como na hiena, no tigre, no abutre, na águia, no crocodilo e no tubarão; ele concebe que as práticas desses tiranos carnívoros não dão nenhum exemplo digno para a imitação, ou justificativa para seres racionais, reflexivos e conscienciosos.
IX – Porque percebe que os homens carnívoros, sem restrições por reflexão ou sentimento, sempre refina as práticas cruéis dos animais mais selvagens; e aplica os seus recursos mentais e artísticos para prolongar as misérias das vítimas dos seus apetites, esfolando, assando e fervendo vivos os animais; e torturando-os sem reservas ou remorsos, se assim acrescentam à variedade ou à delicadeza da sua gula carnívora.
X – Porque os sentimentos e solidariedade naturais dos seres humanos, em relação à matança de outros animais, são geralmente tão avessos à prática, que poucos homens ou mulheres poderiam devorar os animais que eles próprios poderiam ser obrigados a matar: no entanto, esquecem, ou são influenciados à esquecer, os sentimentos vivos ou os sofrimentos moribundos da criatura, enquanto estão desonrando os seus restos mortais.
XI – Porque o estômago humano parece ser naturalmente tão avesso a receber os restos mortais dos animais, que poucos poderiam servir-se deles se não estivessem disfarçados e aromatizados pela preparação culinária; contudo, as criaturas racionais deveriam sentir que as substâncias preparadas não são menos do que realmente são, e que nenhum disfarce da comida, por si só repugnante, deveria iludir as percepções pouco sofisticadas de uma mente atenciosa.
XII – Porque há 47 milhões de acres, na Inglaterra e no País de Gales, que manteriam em abundância muitos habitantes humanos, se vivessem inteiramente de cereais, frutas e legumes; mas mantêm apenas doze milhões de pobres, enquanto a alimentação animal é feita a base da subsistência humana.
XIII – Porque os animais não apresentam nem contêm a substância dos alimentos para as massas, como os vegetais; sendo cada parte da suas reservas subserviente à sua mera existência, e sendo toda a sua estrutura composta unicamente de sangue necessário à vida, de ossos para a força, ou músculos para o movimento, e de nervos para as emoções.
XIV – Porque a prática de matar e devorar animais não pode ser justificada por nenhum apelo moral, por nenhum benefício físico nem por qualquer alegação de necessidade, em países onde há abundância de alimentos vegetais; e onde as artes da jardinagem e da criação são favorecidas pela proteção social, e pelo caráter favorável do solo e do clima.
XV – Porque mesmo que o número e a hostilidade dos animais terrestres predadores possam ter a tendência de impedir o cultivo de alimentos vegetais, a ponto de tornar necessário destruí-los, e talvez, comê-los, não poderia haver necessidade de destruir as existências vivas dos distintos elementos, do ar e da água; e, como na maioria dos países civilizados, não existem animais terrestres para além dos que são propositadamente criados para abate ou luxo, claro que a destruição de animais, aves e peixes, em tais países deve ser atribuída quer à falta de consideração quer à gula carnívora.
XVI – Porque os estômagos dos seres locomotores parecem ter sido providos com o objetivo de transportar, com o animal em movimento, substâncias nutritivas, análogas do solo em que são fixadas as raízes das plantas, e consequentemente nada deve ser introduzido no estômago para digestão e absorção pelos lacteais, ou pelas raízes do sistema animal, somente as bases naturais da nutrição simples, como a sacarina, a oleaginosa, e os elementos farináceo do reino vegetal.
Senso comum.
* O Autor, aos doze anos de idade, quando um estudante de Chiswick, se absteve de comer comida animal, por uma causa que levou o Dr. Franklin a retomar a prática. Ele viu um peixe aberto que tinha dentro dele pequenos peixes, recentemente devorados; e quando esse peixe foi depois levado à mesa, foi forçado a comer o próprio animal, que ontem, no entanto, tinha estado a devorar outros. A prática do peixe era, segundo ele, a de uma criatura sem razão ou humanidade, e sem qualquer justificação para ele por fazer o que pensava errado. O seu apetite também se revoltou com a ideia de comer parte de uma criatura tão palpavelmente desfrutando do seu próprio elemento. Por isso, desculpou-se e, desta vez, perseverou em abstinência rígida.
Texto Original | https://en.wikisource.org/wiki/The_Writer%27s_Reasons_for_not_Eating_Animal_Food
Sobre Richard Phillips | https://pt.wikipedia.org/wiki/Sir_Richard_Phillips
Imagem | Creative Communs via Wikipédia