Em direção à unidade humana ou além do nacionalismo – Por Emily Greene Balch (1948) [tradução livre]
Tradução Livre | Eder Capobianco
Nobel Lecture: Palestra proferida em 7 de abril de 1948, no auditório do Instituto Nobel, na Noruega.
É natural, para tentar compreender o próprio tempo, procurar analisar as forças que o movem. O futuro será determinado, em parte, por acontecimentos impossíveis de prever; também será influenciado por tendências agora existentes e observáveis. Especulamos sobre o que está reservado para nós. Mas nós não somente nos submetemos aos eventos, nós os causamos em parte, ou pelo menos influenciamos seu curso. Não temos apenas que estudá-los, mas também agir. Especialmente isso é verdade no que diz respeito à paz no futuro. A questão de saber se o longo esforço para pôr fim à guerra pode ter sucesso sem outra grande convulsão desafia não apenas nossas mentes, mas nosso senso de responsabilidade.
Quanto a julgar nosso próprio tempo e, assim, obter alguma base para um julgamento de possibilidades futuras, estamos, sem dúvida, não apenas muito próximos dele para avaliá-lo, mas muito moldado por ele, e encerrados nele, para fazê-lo. No entanto, enquanto esperamos pelo futuro historiador social, podemos fazer algumas observações provisórias.
I – Características do tempo presente
Parece que nós distinguimos pelo menos certas características de nosso tempo. Sem tentar listar todos elas, observamos as seguintes:
(A) Este é um tempo de mudanças. Provavelmente, as pessoas sempre sentem que estão vivendo em uma época de transição, mas dificilmente podemos estar enganados ao pensar que esta é uma era de mudanças particularmente importantes, rápidas e ocorrendo em um ritmo cada vez mais acelerado. Essa mudança é rastreável a muitas causas. Uma importante, que ninguém pode ignorar, é a tecnológica, baseada em invenções e descobertas que alteraram toda a base de produção e afetaram profundamente as relações sociais. Esta grande mudança, que começou com as invenções de maquinários no final do século XVIII, sem dúvida, não se encerra com o desenvolvimento da energia atômica. A mudança da agricultura camponesa, e do trabalho manual para as máquinas, é a principal linha divisória da história humana.
Outra causa de mudança menos perceptível, mas fundamental, é o crescimento moderno da população, intimamente ligado às descobertas científicas e médicas. É interessante que a Organização das Nações Unidas tenha criado uma Comissão especial para estudar esta questão.
Uma terceira, e suficientemente óbvia, causa de mudança é o impacto da série de guerras terríveis que recentemente afligiram a humanidade. A Primeira Guerra Mundial, e especialmente a mais recente, varreram, em grande parte, o que restava na Europa do feudalismo e dos latifundiários feudais, especialmente na Polônia, Hungria e no Sudeste, em geral. Essas guerras também parecem ter dado seu golpe mortal no colonialismo e no imperialismo em sua forma colonial, sob os quais os povos mais fracos eram tratados como bens a serem explorados economicamente. Pelo menos esperamos que tal colonialismo esteja se extinguindo. Quais serão as condições dos chamados “países satélites” ainda não podemos saber.
Essas guerras também alteraram muito a posição relativa dos países com papel de liderança. O papel da Itália e da Áustria diminuiu, assim como o da França e da Grã-Bretanha; A Alemanha e o Japão sofreram catastroficamente. Enquanto isso, a Rússia e os Estados Unidos aumentaram em estatura. O mundo olha com interesse para ver o que pode sair da Ásia, com uma nova Índia e (espera-se) uma nova China; e também a Austrália. Enquanto a Europa é duramente atingida e está neste momento quase curvada, há no horizonte a promessa de uma integração há muito necessária que, se for bem sucedida, pode significar uma nova época europeia em que ela permanecerá “uma mãe da cultura” e não mais ser, também, uma “mãe de guerras”.
Em um período maleável como este, parece que tudo pode acontecer. Esse momento é difícil para aqueles que não têm resiliência e capacidade de readaptar-se, e para aqueles que dependem, para sua estabilidade interior, de condições conhecidas e velhos hábitos. Por outro lado, tem imenso apelo para os aventureiros. Aqueles que estão enraizados nas profundezas eternas e imutáveis, que confiam em princípios inabaláveis, e enfrentam as mudanças cheios de coragem, coragem baseada na fé.
(B) Uma segunda característica do nosso tempo é a prevalência do nacionalismo. Isso ainda está se espalhando, afetando novas comunidades, regiões mais periféricas e povos ditos atrasados. Como todos os grandes movimentos, tem seus lados bons e ruins. À medida que o particularismo da Idade Média feudal na Europa foi superado, os grandes Estados nacionais uniram os homens em unidades maiores, e mais razoavelmente constituídas do que aquelas reunidas por herança e conquista. Politicamente era, de certo modo, uma força coesa e construtiva. Em seus aspectos culturais e românticos, também, há muito que é precioso, especialmente nos campos da literatura, arte e folclore em seu sentido mais amplo. Por outro lado, o nacionalismo provou ser excessivamente perigoso em sua divisão e em sua auto-adulação. Deu-nos um mundo anárquico de corpos armados poderosos, com tradições impregnadas de conquista e glória militar, e de povos comerciais concorrentes tão implacáveis em seus interesses econômicos quanto em suas guerras. Deu-nos um número considerável de Estados, cada um reivindicando soberania completa e ilimitada, convivendo lado a lado sem ser integrados de forma alguma ou sob qualquer restrição, governados por um equilíbrio de poder inquieto, manipulado por manobras diplomáticas, baseado não em princípios aceitos por todos, mais por razões de Estado, não reconhecendo nenhum controle religioso ou ético comum, nem quaisquer regras de conduta aceitas e unidas por nenhum propósito comum. Ao mesmo tempo, eles são, infelizmente, equipados com poderes de destruição física vastamente aumentados e com as mais recentes e terríveis armas modernas – controle psicológico das mentes dos homens através das artes da propaganda e “controle do pensamento”, por meio da censura e de outras formas.
Essa condição dividida de um mundo nacionalista está em contraste marcante com o universalismo relativo de vários períodos históricos anteriores. Recordamos, por exemplo, o éclaircissement do século XVIII, quando a razão humana e os modos gentis eram exaltados, e a língua francesa era propriedade conjunta de pessoas civilizadas.
Recordamos o universalismo da Idade Média cristã, que reconhecia um dogma, uma igreja autoritária que comandava grandes receitas e uma língua para todos os que sabiam ler e escrever.
Recordamos ainda antes o período da grande ordem pública romana, com uma tradição clássica, um modelo político e um meio literário.
Os perigos deste mundo nacionalista dividido foram experenciados, eles vem sendo estudados e investigados, mas tem sido mais fácil ver a necessidade de alguma nova forma de unir os povos do que realizá-la.
II – Unificação de tendências
No entanto, é fácil exagerar o grau em que os povos modernos estão divididos e não relacionados. Sem uma lealdade comum a um Estado ou a uma igreja, eles têm, no entanto, muito em comum. Isso nos leva a uma nova divisão de nosso assunto – um esforço para analisar algumas das tendências que correm como fios comuns através da massa desorganizada da população do mundo.
(1) Primeiro, vamos considerar o desejo em direção à liberdade. Na forma de revolta contra a dominação estrangeira e de demanda por independência, esta tem sido uma grande força modeladora na história moderna. O desejo de liberdade também se fez sentir como luta contra a tirania doméstica ou o governo arbitrário.
Ao mesmo tempo, a liberdade como ideal pessoal, como revolta contra a autoridade no reino das ideias, enriqueceu a mente dos homens e fortaleceu seu caráter e sua autodependência. Tem sido uma grande corrente de ar fresco estimulando ambientes. A sensação de que a liberdade, nesse sentido, é um valor supremo para o indivíduo, uma necessidade de progresso e crescimento, não é compartilhada por todos os povos; a aceitação ou recusa deste ideal de liberdade é talvez a mais profunda fenda entre os mundos comunista e não-comunista.
Ao mesmo tempo, é justo perceber que não é fácil ser consistente. Os “pais fundadores” da República dos Estados Unidos foram capazes de dizer que os homens nasceram iguais e ao mesmo tempo defendem a escravidão negra. Os homens, escandalizados com a falta de liberdade na Rússia, não se perguntam quão real é a liberdade entre os pobres, os fracos e os ignorantes na sociedade capitalista. Da mesma forma, os homens horrorizados com o que chamam de “escravidão assalariada” toleram em seu sistema social a hedionda violação da personalidade humana de um estado policial totalitário.
(2) A democracia é um segundo ideal amplamente influente em todo o nosso mundo moderno. Sem dúvida, a palavra tem significados diferentes para pessoas diferentes. Dizemos que, para os russos “democráticos”, significa favorável ao sistema soviético, e que para os povos ocidentais, significa simpático à forma parlamentar de governo. Há, no entanto, uma área básica de significado comum, apesar do fato de que cada um está preocupado com um aspecto diferente de um ideal imensamente desafiador e difícil. Ambos entendem por um sistema democrático aquele que serve igualmente aos interesses de todos os homens e não aos de pessoas privilegiadas, e aquele em que o poder supremo está nas mãos de toda a população e exercido em seu nome, uma sociedade na qual as injustiças e as desigualdades são reduzidas ao mínimo. Não podemos dizer que essa democracia era o objetivo de Lenin e Lincoln, embora em formas diferentes e em cenários muito diferentes?
(3) Um terceiro ideal, que abriu caminho no mundo moderno, é a confiança na razão, especialmente a razão instruída e enriquecida pela ciência moderna. Uma base eterna da intercomunicação humana é a razão. “Venha, vamos raciocinar juntos.” A ciência moderna, e não menos a psicologia moderna, é uma poderosa solvente de idéias, superstições e preconceitos que separam os homens, e desenvolveu-se um código científico que é ao mesmo tempo uma ferramenta e um mandamento. Exige objetividade honesta, escrupulosamente limpa de qualquer influência que não seja o desejo da verdade. (Isso não significa, é claro, que todos os homens de ciência estejam livres de todo preconceito.) Um dos desenvolvimentos modernos mais alarmantes foi o surgimento na Alemanha nazista e agora, pelo menos até certo ponto, na Rússia, da crença de que a conveniência política, não a verdade, deve guiar a pesquisa e essa lealdade não se deve à verdade, mas a um dogma pré-aceito. No entanto, mesmo assim, a ciência é um vínculo muito real.
(4) Um quarto elemento do mundo no qual mais e mais conscientemente vivemos, é uma crescente humanista, uma revolta contra todo sofrimento evitável, uma nova preocupação com o bem-estar social em todos os seus aspectos. Este motivo tem aumentado tanto em comunidades cristãs como não cristãs. Uma de suas manifestações mais marcantes foi a revolta contra a escravidão e o tráfico de escravos que levou ao repúdio internacional a esses abusos. Outro aspecto foi o esforço de humanização das condições de trabalho, primeiro no âmbito nacional, a partir da primeira legislação fabril na Inglaterra, e depois internacionalmente, especialmente através da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da ação sindical.
É impossível fazer mais do que aludir ao crescimento da assistência prestada, em tempo de catástrofe e a todo o momento, aos pobres, necessitados, doentes e delinquentes. A Cruz Vermelha, o trabalho do Save the Children, no qual os países escandinavos têm sido tão ativos – esses e muitos outros movimentos constituem laços fortes e sensíveis que tendem a fazer uma sociedade de todas as pessoas do mundo. Parece que a assistência sistemática proposta no Plano Marshall, para ajudar a Europa a se recuperar economicamente após o choque da guerra, pode ser o meio de unir a Europa como nunca foi antes.
(5) Outra coisa – os homens estão, em todos os lugares, se tornando menos “de pensamento privado”. Há um crescente senso de comunidade. É como se a ânsia que encontrou expressão nos mosteiros e conventos na Idade Média estivesse encontrando nova expressão. No campo político, essa consciência do interesse comum, e das ricas possibilidades de ação comum, se incorporou em parte nos grandes movimentos em direção à democracia econômica, à cooperação, ao socialismo democrático e ao comunismo. Estou certa de que cometeremos um grande erro se subestimarmos o elemento de idealismo altruísta nesses movimentos históricos que hoje escrevem a história em tal ritmo.
Um lado sombrio e terrível desse senso de comunidade de interesses é o medo de um horrível destino comum, que nestes dias de armas atômicas obscurece a mente dos homens em todo o mundo. Os homens têm a sensação de estarem sujeitos ao mesmo destino, de estarem todos no mesmo barco. Mas o medo é um motivo pobre para apelar, e tenho certeza de que “pessoas da paz” estão no caminho errado quando discorrem sobre os horrores de uma nova guerra mundial. O medo enfraquece os nervos e distorce o julgamento. Não é por medo que a humanidade deve exorcizar o demônio da destruição e da crueldade, mas por motivos mais razoáveis, mais humanos e mais heróicos.
(6) Outra tendência muito interessante, que não é fácil de classificar, é o crescente repúdio à coerção, especialmente à coerção violenta ou física. Isso está relacionado à defesa da liberdade, especialmente ao respeito à liberdade do outro; está relacionado com o crescimento da compaixão e da ajuda, mas é distinto. Acho que ainda não está avaliado em seu valor total e que deve ter um significado muito profundo.
Nesse sentido, houve uma surpreendente revolução silenciosa, desorganizada e espontânea. Considere como um aspecto disso a relação de marido e mulher, na qual a ideia de autoridade e coerção deu lugar ao ideal de uma relação totalmente livre desses elementos. A “Casa de Bonecas” se foi ou está indo. Na relação entre pais e filhos ocorreu uma mudança paralela, talvez ainda mais impressionante. Na educação, a confiança no medo foi abandonada e a confiança na rivalidade e competição é cada vez mais repudiada. No tratamento do crime, a melhor prática é direcionada não para a punição, mas para a reeducação. Da mesma forma, na estrutura política, todo esforço é feito para substituir a coerção pelo consentimento.
O expoente mais dramático dessa recusa à violência é o indiano, o grande espírito, Gandhi. Ele deu sua vida tentando encontrar maneiras de se opor à dominação e coerção sem recorrer ao ódio ou à violência.
(7) Ao listar essas tendências para um novo mundo, não devemos esquecer os desenvolvimentos no pensamento e sentimento religioso ou espiritual da humanidade, onde também sentimos uma forte tendência unificadora. Há uma repulsa dos credos dogmáticos e do sectarismo do cristianismo protestante. Há um grande interesse pela religião comparada e um desejo de compreender outras religiões que não a nossa, e até mesmo de experimentar cultos exóticos. Há uma tolerância que (onde não é mera apatia e indiferença), significa falta de vontade de forçar a crença, por mais preciosa que pareça para si mesmo, sobre os outros. Onde nossos antepassados, não muito tempo atrás, sustentavam que aqueles que não aceitavam a fé correta estavam destinados literalmente ao fogo do inferno, sentimos o desenvolvimento de um novo clima espiritual. O cristão lê Rabindranath Tagore, e o hindu Gandhi lê o Sermão da Montanha, e sábios de todas as partes do globo discutem suas diferenças fraternalmente e humildemente.
Tenho me interessado muito pelo livro Living Religions and a World Faith, do professor Ernest Hocking, no qual ele tenta mapear a ampla e crescente área de concordância religiosa além das fronteiras religiosas.
(8) Não tenho a ideia de fazer uma lista abrangente de tendências unificadoras, e mal posso me referir a uma das qualidades mestras de nosso dom humano comum, o desejo de beleza – desejo de perceber e, acima de tudo, de criar beleza. A arte em suas miríades de formas – música, literatura, arquitetura, escultura, pintura e artesanato – dota a humanidade, pelo menos potencialmente, de tesouros comuns em palavras, cores ou harmonias, que as invenções técnicas modernas, da fotografia ao rádio, tendem a difundir sem limite.
(9) Temos falado de forças que contribuem para a unidade, principalmente no nível psicológico. Mas uma influência, que não é tanto ideológica quanto prática e externa, é de importância absolutamente primordial. Refiro-me aos avanços técnicos que tão rápida e amplamente estão refazendo o mundo. A industrialização baseada na maquinaria, já referida como uma característica de nossa época, é apenas um aspecto da revolução que está sendo operada pela tecnologia. Sob condições modernas, nosso ambiente físico tende à mesmice. Cada vez mais temos os mesmos trens e os mesmos aviões, os mesmos banheiros e as mesmas galerias de fotos, os mesmos hospitais, a mesma comida e a mesma moda nas roupas. Estes desenvolvem os mesmos hábitos e com estes as mesmas ideias e a mesma mentalidade. Para dar um pequeno exemplo, uma população onde todos têm relógio é profundamente afetada na forma como conduz suas atividades, econômicas e sociais, por esse simples fato. A tecnologia nos dá as facilidades que diminuem as barreiras do tempo e da distância – o telégrafo e o telegrama, o telefone, o rádio e o descanso. Mas a tecnologia é uma ferramenta, não uma virtude. Pode ser usada para fins bons ou ruins, e aproximar os homens não os faz amar uns aos outros, a menos que se mostrem amáveis. Multiplicar contatos pode significar multiplicar pontos de atrito.
(10) Disseminação. Sob as condições modernas, a difusão de idéias, de conhecimento duramente conquistado, de beleza alcançada, continua incessantemente e é em grande parte espontânea. Há também uma rede infindável de cooperação organizada entre especialistas em todos os campos, por meio de sociedades científicas, revistas técnicas, exposições, resenhas literárias, o que tende a tornar acessível a todos o que foi criado ou aprendido.
Também os “movimentos” de todos os tipos se universalizam da mesma maneira, por uma osmose natural e por propaganda deliberada.
III – Tendências Divisórias
Considerando muito que tende para a unidade da humanidade, notamos questões como liberdade, democracia, humanidade, espírito público, repúdio à coerção e violência, universalismo espiritual, tesouros culturais comuns, mesmice de ambiente físico e hábitos, controle técnico do tempo e espaço e a tendência a universalizar tanto as realizações como as ideias.
Ao pensar nas tendências para unificar a humanidade, devemos encarar diretamente, sem subestimá-las, tudo o que tende ao contrário, tende a dividir os homens, a separá-los e mantê-los separados, a colocá-los consciente e passionalmente uns contra os outros. Não apenas a democracia e o culto da humanidade marcam nossa época, mas também a ganância, a violência, a auto-adulação de grupos nacionais e raciais, o fanatismo de cultos políticos como o fascismo ou o nazismo, a glorificação do força e do poder por si mesmos, o confiança cega na violência diante da qual todo idealismo é apenas uma névoa que se dissolve. Todas essas coisas nós sabemos muito bem.
Vivemos a época do dilúvio do fascismo e do nazismo, que seguiu seu curso meteórico a um custo para a humanidade, em sofrimento e desperdício, além de qualquer cálculo. Essas ideias ainda não estão tão mortas quanto podem parecer na superfície, como sabemos.
O totalitarismo é outra força que parece ainda estar ganhando terreno. Pode ser devido, em parte, à necessidade de técnicas políticas eficazes e rápidas e à impaciência da democracia política com seus processos muitas vezes provocativamente lentos e desajeitados. Pode ser devido em grande parte ao cinismo em relação ao liberalismo e ao individualismo no processo econômico. Parece, no entanto, estar enfaticamente no caminho errado.
Um aspecto mais perigoso do totalitarismo é aquele que é tipificado na expressão “cortina de ferro”, a tentativa de fechar o contágio das ideias que agora estão interpenetrando o resto do mundo. É difícil acreditar que a disseminação natural de ideias e experiências possa ser interrompida totalmente ou por muito tempo.
IV – Forças Unificadoras e Diferenciadoras Necessárias, Mas Não a Guerra
Conhecemos tão bem essas coisas que nos dividem, que nos pareceu útil parar, separar e examinar, mais especialmente, os fios que percorrem a sociedade unindo-a.
Não devemos nos desiludir que os fios de nossa textura social se cruzem. Devemos lembrar que nada pode ser tecido com fios que correm todos da mesma direção. Essa figura de linguagem pode ser facilmente forçosa – quero apenas salientar que as diferenças, assim como as semelhanças, são inevitáveis, essenciais e desejáveis. Uma crença ou ideia incontestada está a caminho da morte e da falta de sentido.
Que esses choques de ideais e propósitos tomem a forma de guerra é, no entanto, intolerável. De fato, à luz de tudo o que a humanidade alcançou e desejou, parece quase incompreensível que hoje esteja tão ocupada em preparar a guerra de formas mais hediondas do que nunca. Enormes somas de dinheiro, tesouros de inteligência humana e a indústria são investidos na invenção de novos e mais medonhos venenos, métodos de disseminação de doenças e aperfeiçoamento de instrumentos de destruição instantânea e quase ilimitada.
A tentativa de pôr fim à guerra é uma tarefa especial e urgente que devemos resolver, e resolver em breve. É um complemento necessário às forças que aproximam os homens, para que estas possam prevalecer sobre aquelas que dividem os homens em campos hostis.
As ideias que os homens compartilham, e as necessidades que todos sentem, precisam de um órgão adequado. Eles precisam de um corpo institucional para torná-los eficazes. A nação criou o estado nacional. A comunidade mundial deve criar uma expressão política para si mesma.
Este é o tema da segunda parte deste discurso.
Segunda Parte
Chegamos, então, à segunda parte deste argumento, o esforço de organização da sociedade mundial.
Muitos indivíduos e muitos movimentos têm direcionado esforços para esse fim. Eles formam uma parte considerável de todo o trabalho pela paz, embora não todo.
O Movimento da Paz
O movimento pela paz, ou o movimento para acabar com a guerra, tem sido alimentado por muitas fontes, e assumiu muitas formas. Tem sido realizado, principalmente, por organizações privadas não oficiais, locais, nacionais e internacionais. Eu diria que os trabalhadores da paz, ou pacifistas, têm lidado principalmente com dois tipos de questões, a moral ou individual e a política ou institucional. Como um tipo do primeiro, podemos tomar aqueles que agora são, geralmente, conhecidos especificamente como pacifistas. Em grande parte, por motivos religiosos ou éticos, eles repudiam a violência e se esforçam para colocar uma atividade amistosa e construtiva em seu lugar.
Houve recusa pessoal de serviço de guerra por motivos de consciência em grande escala, e com grande custo pessoal para milhares de jovens convocados para o serviço militar. Enquanto muitas pessoas não entendem e certamente não aprovam sua posição, acredito que tenha sido um testemunho inestimável da supremacia da consciência sobre todas as outras considerações, e um serviço muito grande a um público muito afetado pela concepção do que é certo se fazer. É interessante que nos julgamentos dos culpados da guerra, o Tribunal de Nuremberg se recusou a aceitar o princípio de que um homem é absolvido da responsabilidade por um ato pelo fato de ter sido ordenado por seus superiores ou seu governo. Esta é uma afirmação legal de um princípio que os objetores de consciência mantêm em ações judiciais.
É surpreendente, para mim, que o repúdio de toda a teoria e prática do recrutamento não tenha encontrado expressão em um movimento mais amplo e mais poderoso, tirando força da preocupação generalizada com a liberdade individual. Estamos horrorizados com muitas violações menores da liberdade individual, muito menos terríveis do que isso. Mas estamos tão acostumados ao serviço militar obrigatório que o tomamos como certo. Uma forma prática e política de oposição ao recrutamento é a proposta, apresentada pela primeira vez, até onde eu saiba, por uma mulher americana, Dorothy Detzer, há muito tempo secretária da Seção dos Estados Unidos da Women’s International League for Peace and Freedom. Ela pediu algo que sugere o Pacto Kellogg-Briand, mas é bastante específico, ou seja, um tratado multilateral entre governos para renunciar ao uso do serviço militar obrigatório. Um projeto de lei nesse sentido está agora no Congresso dos Estados Unidos, mas atrai pouca atenção.
Também me parece bastante surpreendente que a recusa da guerra nunca tenha assumido a forma, em larga escala, da recusa de pagar impostos para uso militar, uma recusa que teria envolvido não apenas homens jovens, mas (e principalmente) homens e mulheres mais velhos, titulares de bens.
O trabalho de paz deste primeiro tipo depende principalmente da educação. O trabalho feito, e agora sendo feito, para educar as mentes dos homens contra a guerra e pela paz é colossal e só pode ser mencionado.
Talvez seja sob esse aspecto que a Fundação Nobel, e o trabalho de Bertha von Suttner, devam ser listados; por isso o mundo, e não apenas os beneficiários, deve ser grato.
O outro tipo de atividade de “paz” é político, visando especificamente afetar ações governamentais ou outras em questões concretas. Por exemplo, as organizações de paz criticaram os termos dos Tratados de Paz feitos em Versalhes e (pelo menos na América), se opuseram à exigência de rendição incondicional na Segunda Guerra Mundial.
A Women’s International League for Peace and Freedom (com a qual tenho estado ligada há muito tempo), trabalhou tanto como um órgão internacional quanto em suas seções nacionais de 1915 até agora, e espero que o faça por muito tempo, no campo político das políticas que afetam a paz, embora não só no plano político. Entre seus apoiadores mais fortes sempre estiveram as mulheres escandinavas. Estou apresentando à biblioteca do Nobel, se me permitem, uma breve história desta organização, A Venture in Internationalism, um livreto agora esgotado e, consequentemente, raro.
A forma de trabalho pela paz que mais obviamente fez história é o longo e contínuo esforço para criar alguma forma de organização mundial que deveria evitar guerras e fomentar a cooperação internacional.
Os esforços para assegurar a paz através da criação de um órgão abrangente têm sido muitos e variados. Uma das mais curiosas foi a confederação de certas tribos de índios Iroquois, na América, conhecida como “The Six Nations”. Um dos primeiros foi o antigo Concílio Anfictiônico na Grécia. Houve uma longa série de esquemas, cada um mais ou menos prematuro e utópico, mas cada um com sua própria contribuição, desde os de Sully e William Penn, Kant até Woodrow Wilson e seus colaboradores e sucessores. Wilson não viveu para ver a Liga das Nações estabelecida, nem seu próprio país jamais se juntou a ela. Atualmente, há uma tendência a subestimar sua importância. Eu, por exemplo, não perderia muito de minha vida, meus anos, em Genebra durante a primeira primavera das esperanças e atividades da Liga das Nações.
Como sabemos muito bem, a Liga das Nações, sem a Rússia e os Estados Unidos, não foi suficientemente inclusiva. Também, quando o aperto veio, diferentes governos mostraram-se despreparados para fazer os sacrifícios, ou enfrentar os riscos envolvidos, na oposição efetiva ao imperialismo no Japão, reação na Espanha, fascismo na Itália ou nazismo na Alemanha.
A nova instituição, a Organização das Nações Unidas, tem algumas vantagens marcantes sobre suas predecessoras. Sua origem foi o trabalho, não de um pequeno grupo de estadistas preocupados principalmente com a elaboração dos tratados de Versalhes e os demais, mas foi elaborado em cuidadosa discussão preliminar, primeiro em Dumbarton Oaks, depois em San Francisco, por um grupo abrangente de países que incluía, desta vez, os Estados Unidos e a Rússia, embora não as potências do Eixo, e que tem uma imensa dívida com o presidente Franklin Roosevelt. Tendo a experiência da Liga das Nações para se basear, e a Segunda Guerra Mundial oferecendo advertências úteis. Com menos idealismo, esperança e confiança do que a Liga das Nações desfrutou em seus primeiros dias, é mais sóbria, e a Noruega deu-lhe Trygve Lie, um secretário-geral que inspira confiança e esperança.
Por outro lado, sofre de desvantagens que a Liga das Nações não teve. A mais grave de todas, ao contrário da Liga das Nações, é chamada a iniciar sua vida ativa antes que os tratados de paz sejam concluídos. A Alemanha, a Áustria e o Japão ainda estão ocupados. Um acordo de guerra é um problema que, como já foi dito, “evoca todos os apetites”. O mundo não está nem tecnicamente em paz; ainda não se chegou a um acordo sobre a questão absolutamente crucial da Alemanha. Além disso, a Organização das Nações Unidas enfrenta a necessidade de decisão e ação imediatas sobre vários problemas peculiarmente pungentes e complicados na Grécia, na Palestina, na Coréia e em outros lugares. Mais ainda, opera em um mundo meio destroçado pela destruição da guerra em escala inimaginável. Estamos mais ou menos acostumados à fome na Índia e na China (embora eu suponha que seja tão doloroso lá quanto mais perto de casa). Agora vemos a própria Europa faminta, coletiva e separadamente, coberta com massas de escombros quebrados, madeira carbonizada e vastos campos que carregam cruzes brancas em vez de grãos. A produção e o comércio são tão profundamente afetados que sua reconstrução apresenta problemas que seriam quase insuperáveis mesmo que não fossem complicados por dificuldades políticas. Ao mesmo tempo, há uma oposição ideológica e nacionalista extraordinariamente amarga entre a União Soviética, com seus amigos, e as democracias ocidentais, de modo que duas grandes potências, ou blocos de potências, encaram uma a outra com mútua suspeita e medo.
Que a nova organização mundial tenha se saído tão bem em tais circunstâncias é surpreendente. Na verdade, o fato de que foi realmente configurada e está realmente funcionando é, se você pensar nisso, um milagre.
Mas seu tempo de teste ainda não passou. Na questão crucial do desarmamento nacional e da organização das forças de segurança coletiva, seja como força policial ou militar, não houve nenhum progresso óbvio. No que diz respeito ao problema de controlar eficazmente o uso da energia atômica, a questão é interrompida, pelo que parece à superfície, por diferenças triviais sobre como proceder. As ameaças ainda mais feias da guerra bacteriológica e outros usos abusivos do conhecimento científico não estão, até onde sei, nem em discussão.
Esse fracasso em se equipar com a força levou a uma impaciência generalizada, e um dos desenvolvimentos recentes mais marcantes no campo da paz é uma demanda ampla e ansiosa por um governo mundial real. Deve-se sentir grande interesse neste movimento crescente. Se está prestando um importante serviço ao educar as pessoas para a necessidade de limitar a soberania nacional – de sacrificar a vontade própria e a autodeterminação nacional, na medida do necessário, pelo bem da vontade e propósito do grupo humano como um todo.
Mas esse movimento também tem seus perigos muito reais. Na medida em que leva, à depreciação da Organização das Nações Unidas, ao crescimento de um certo cinismo em relação a ela, isso deve ser deplorado. Minhas hesitações vão além disso, no entanto. Vejo os governos como um tipo histórico peculiar de organização que não é necessariamente a última palavra na sabedoria humana. Ainda temos, acredito, muito a aprender, possivelmente com a China, a Rússia, a Índia e os Montesquieus do futuro quanto às formas políticas possíveis. Não vamos forçar nossa jovem e ainda moldável organização mundial prematuramente em moldes velhos e rígidos.
Os governos parecem ter uma herança ruim por trás deles. Eles são perigosos porque nós os personificamos e os idealizamos, porque eles estão contaminados pelo desejo de poder e por uma preocupação muito grande com o prestígio. Acima de tudo, eles são o depositário final do poder de coerção física que em outros lugares é cada vez mais descartado. O que é um governo? É o que possui e opera exércitos e marinhas, e policia e tributa pessoas. (Quanto aos impostos, eles estão corretos, desde que sejam para objetos certos e na medida certa, e as pessoas em geral, eu suspeito, não são tributadas com tanta frequência quanto em excesso.)
Às vezes, o que se entende por “governo mundial” é um órgão modelado mais ou menos de acordo com o padrão suíço ou americano, com seus poderes executivo e legislativo e seu judiciário. Às vezes, a ideia é muito mais modesta, e o que se propõe é apenas uma delegação de poderes estritamente limitados a uma autoridade central com vista especial ao controle da agressão e prevenção da guerra. Há o que me parece uma esperança bastante ingênua de que a perigosa possibilidade de ter que punir uma nação que se recusa a cumprir a legislação internacional possa ser contornada pela direção de ações coercitivas contra indivíduos e não governos. Em 1939, que indivíduo teria sido escolhido para ser punido que não Hitler? E uma tentativa de punir Hitler não significaria lutar contra um grande povo armado?
Admito a importância crítica de organizar a segurança coletiva contra a violência e agressão, e certamente uma função muito importante da Organização das Nações Unidas, como da Liga das Nações, é prevenir situações a partir das quais se desenvolvam “conflitos armados” e, finalmente, controle por ação coletiva agressões mal-intencionados ou injustamente conduzidas. Até à data, nenhuma solução adequada foi alcançada. Concebivelmente possíveis, concebivelmente adequados e eficazes são controles não militares, pressão moral, pressão política coletiva, pressão econômica coletiva por meio das chamadas sanções econômicas de vários tipos e, finalmente, métodos policiais organizados e forças policiais armadas de tipo não militar. No entanto, tais métodos aparentemente estão sendo pouco estudados.
O desarmamento, tão fundamental para um mundo realmente pacífico, certamente não parece próximo ou mesmo mais próximo do que estava.
No entanto, por mais importantes que sejam os métodos de prevenção de agressão, contenção da violência e criação de segurança coletiva, que são o campo especial do Conselho de Segurança, lamento que não haja interesse público mais vívido nos outros aspectos da organização mundial, especialmente no crescimento da cooperação mundial em diferentes campos. Essa abordagem funcional da unidade mundial parece ser uma grande promessa. A organização de tal cooperação vem não como a expressão de uma teoria, mas como uma resposta a necessidades sentidas. É a direção na qual a Organização das Nações Unidas está crescendo espontaneamente em resposta à pressão das realidades, e ao chamado para se unir em negócios comuns que precisam ser atendidos. A lista das comissões especiais e outras agências já em funcionamento é longa e está destinada a ser maior. Além das áreas de segurança, há as de Trabalho, Comércio, Transportes, Aviação Civil, Comunicações, Direito Internacional, Banco e Dinheiro, Direitos Humanos, Situação da Mulher, Alimentação e Agricultura, Saúde, Controle de Epidemias, Refugiados e Deslocados, Educação, Ciência e Cultura (com inúmeras subdivisões), Tutela, a enorme questão da População, Estatística, etc.
Thomas Carlyle costumava falar de “filamentos orgânicos”, e nos órgãos cooperativos da Organização das Nações Unidas parece que vemos o espírito do tempo tecendo uma teia de povos e criando, esperamos, um tecido inquebrável unindo todos pelo hábito de trabalhar para fins comuns.
O aspecto administrativo da Organização das Nações Unidas também parece ter grandes possibilidades de desenvolvimento, e a administração internacional é neste contexto uma forma de cooperação.
A função administrativa da Organização das Nações Unidas é, até agora, exercida principalmente na forma de gestão fiduciária. Essa ideia de fiduciário político é uma das invenções relativamente raras no campo político. É curioso que enquanto as invenções no campo tecnológico, nas artes de lidar com a matéria, são tão numerosas e eficazes, os homens são relativamente pobres em invenções para lidar uns com os outros. Os gregos nos deram assembléias públicas, os britânicos seus parlamentos representativos e governo parlamentar. A Suíça e os Estados Unidos criaram padrões federais de governo combinando centralização com descentralização. Mas, no geral, a lista é escassa e uma das últimas, a propaganda moderna, é um desenvolvimento sinistro e portentoso de educação legítima da opinião pública.
A concepção do administrador público, seja um indivíduo ou um órgão, pode revelar-se uma ideia política frutífera. Nos Estados Unidos, hospitais, faculdades, todos os tipos de empreendimentos para o bem-estar público são em grande parte realizados por conselhos de administração encarregados de sua administração, e eles têm um histórico honroso de devoção à sua confiança. O mesmo homem que, negociando em Wall Street, se orgulha de sua habilidade em ganhar dinheiro, pensa a si mesmo quando se considera confiável para desempenhar um serviço público, como funcionário público, e não dedica mais sua capacidade de ganhar dinheiro para si mesmo, mas para o bem-estar do parque, ou da fundação de pesquisa, ou outro assunto com o qual ele agora se identifica.
Mas as colônias não são o único campo de possível administração internacional. É muito lamentável que a aviação, tão internacional por sua própria natureza, tenha se desenvolvido até agora ao longo de linhas de negócios privados e concorrentes. É uma pena que tenha evoluído muito cedo, ou uma organização mundial muito tarde, para crescer desde o início como o negócio comum dos povos do mundo. Isso teria uma enorme influência no caráter da guerra e em seu controle, bem como no intercâmbio internacional. O poder atômico também exige administração internacional, e pelo menos se reconhece que assim é.
O mundo das águas, as vias navegáveis internacionais do globo, ainda não foram estabelecidas. Até ontem, a Grã Bretanha dominava as ondas, e seu lugar ainda não foi ocupado nesse sentido. Por que a Organização das Nações Unidas não deveria agora criar uma autoridade suprema tanto sobre os “mares oceânicos” quanto sobre as ligações e canais, artificiais e naturais, que são de importância peculiar e criam problemas políticos peculiares?
Para sugerir apenas um exemplo, a internacionalização dos Dardanelos sob autoridade mundial, devidamente equipada, tiraria o veneno de um dos pontos “mais quentes” do mapa político.
As áreas polares desabitadas são outra área que parece peculiarmente adequada para administração internacional sob a Organização das Nações Unidas. Elas agora são amplamente desapropriadas, e os reclamantes e rivalidades estão cada vez mais numerosos e mais clamorosos.
Espera-se que na próxima Assembleia Geral algum governo coloque esses dois assuntos na agenda e peça a nomeação de duas comissões especiais para estudar os problemas polares e marítimos, e fazer recomendações.
A organização mundial de tipo funcional e não governamental também está começando no nível cultural. Se a UNESCO ainda não se encontrou plenamente, é porque as potencialidades que se lhe apresentam no campo da ciência, da música, da arte, da religião e da educação são tão vastas e ainda tão indefinidas. Aqui o que se quer não é tanto a administração, e sim o contato, a consulta, a cooperação.
Se a UNESCO conseguir, como bem pode, assegurar a adoção geral de uma língua auxiliar universal, como a Associação Internacional de Línguas está agora empenhada em selecionar e elaborar, será o alvorecer de um novo dia na literatura, como o mundo dificilmente tem sonhado. Nenhuma das línguas naturais será adulterada, reformada ou reduzida a uma base restrita. Mas todos os homens que sabem ler e escrever podem dominar um idioma universalmente compreendido. Isso não será apenas uma enorme vantagem nos negócios, nas viagens e em todos os tipos de formas práticas. Muito mais importante será o seu serviço no mundo das ideias. Os poetas e os grandes escritores terão à sua disposição um público leitor que incluirá não só todos os povos europeus e americanos, mas também os chineses, os árabes, os povos insulares e os povos da África, que poderão ainda dar uma grande contribuição. A música e a matemática já comandam uma notação universal ainda não disponível para a expressão do pensamento. Tal público para a palavra impressa e falada, comparável ao da música, daria um impulso imenso à literatura mundial.
Em tal mundo, toda guerra seria uma guerra civil, e devemos esperar que elas se tornem cada vez mais inconcebíveis. As guerras já se tornaram capazes de uma destruição tão ilimitada, e de possibilidades tão temíveis de “reações em cadeia” incontroláveis e pouco compreendidas de todos os tipos, que pareceria que ninguém que não fosse literalmente insano poderia decidir iniciar uma guerra atômica.
Falei contra o medo como base para a paz. O que devemos temer, especialmente nós americanos, não é que alguém jogue bombas atômicas sobre nós, mas que possamos permitir que uma situação mundial se desenvolva em que homens ordinariamente razoáveis e humanos, agindo como nossos representantes, possam usar essas armas em nosso nome. Devemos estar resolvidos de antemão que nenhuma provocação, nenhuma tentação nos induzirá a recorrer à última e terrível alternativa da guerra.
Que nenhum jovem seja novamente confrontado com a escolha entre, violar sua consciência cooperando em uma competitiva matança em massa, ou separar-se daqueles que, esforçando-se para servir a liberdade, a democracia e a humanidade, não encontram maneira melhor do que recrutar jovens para matar.
À medida que a comunidade mundial se desenvolve em paz, ela abrirá grandes reservatórios inexplorados na natureza humana. Como uma mola liberada da pressão, seria a resposta de uma geração de homens e mulheres jovens crescendo em uma atmosfera de amizade e segurança, em um mundo demandando sua manutenção, oferecendo-lhes camaradagem, chamando todas as naturezas aventureiras e avançadas.
Não nos pedem para aderir a nenhuma utopia, ou acreditar em um mundo perfeito ao virar da esquina. É-nos pedido que sejamos pacientes com o avanço necessariamente lento e tateante no caminho para a frente, e que estejamos prontos para cada passo à frente assim que for praticável. Somos solicitados a nos equiparmos com coragem, esperança, prontidão para o trabalho árduo e valorizar ideais grandes e generosas.
Texto Original | https://www.nobelprize.org/prizes/peace/1946/balch/lecture/
Sobre Emily Greene Balch | https://pt.wikipedia.org/wiki/Emily_Greene_Balch
* O Prêmio Nobel da Paz de 1946 foi dividido por Emily Greene Balch, por sua trajetória de defesa da paz, e por John Raleigh Mott, pela sua contribuição na formação de uma fraternidade religiosa que atua para promover a paz por todo mundo.
Imagem | Domínio Público via Wikipédia