As três leis de Newton [conto]

Imagem | blende12 – Pixabay License

Dr. Carlos tinha uma pele macia, branca, lisa como a camisa de pura seda chinesa que usava. A barba estava sempre feita, e o cabelo curto para o lado, num penteado que nunca se desfazia pelo efeito do gel. Carregava um lenço no bolso do paletó, que não era suficientemente esponjoso para secar as cataratas do Iguaçu que sua cabeça produzia quando estava agitado. O suor escorria pela testa, fluindo livre pelas costeletas bem aparadas. “Não me interessa de onde vai vir o dinheiro, desde que venha.” Sempre que começava a surtar durante uma reunião, nenhum dos presentes conseguia evitar o olhar de assombro quando encarados nos olhos. Então ficavam de cabeça baixa. “Com nota, sem nota, nos Jardins, no Paraisópolis ou na lua, não estou nem aí em como, porque ou para quem. Vendam, aluguem, arrendem, qualquer coisa, porra!” Ele bateu com força na mesa de vidro. As pessoas torceram para que tudo virasse estilhaço e aquela seção de tortura mental fosse interrompida. Dr. Carlos se assustou com o tilintar dos copos e abaixou o tom. “Olha gente, a coisa tem que girar. Sem dinheiro não gira. Se estiver bom para mim, significa que também vai estar bom para vocês.” E, como se tivesse feito um afago depois do sarrafo, encerrou a reunião.

Dona Carmen era a chefe do departamento de marketing, e queria sair dali o mais rápido possível. No alto de seus 45 anos, sendo 25 dedicados à Corretora Três Reis, sabia todos os riscos que estava correndo. A primeira vez que o Dr. Carlos a chamou, ela continuou andando como se estivesse em outro planeta. Na segunda vez seu estômago parecia que ia explodir. Mas a Sara, candidata a futura Dona Carmem, quis parecer atenta às necessidades do chefe. “Acho que o Dr. Carlos te chamou.” Sem disfarçar a cara de repugnância para a companheira de trabalho, Dona Carmen virou para o Dr. Carlos com um sutil “sim, desculpe, estava aqui pensando nos telefonemas que tenho que dar.” Dr. Carlos tentou desarmar a cara de carrancudo suspirando o limpando o suor da testa com o lenço embabado. “Sente aqui um minuto, por favor. Antes pega a garrafa e os copos ali no armarinho.” Não era a primeira vez que Dona Carmen sentava por um minutinho. Ela voltou com a garrafa e só um copo. “Não estou boa para beber hoje.” Com sorte ele entenderia a mensagem. “Só um golinho, para eu não me sentir mau.” Dr. Carlos sorriu como quem quer parecer gentil e simpático, mas sua expressão enrubescida não conseguiria transparecer tais predicados. Dona Carmen pegou mais um copo e serviu com menos que um gole. “Poxa, por favor. Pelos velhos tempos.” Dr. Carlos pegou a garrafa e colocou meio copo para cada um.

Tentando parecer mais humano, Dr. Carlos começou a falar de si. “Sabe, pode parecer que a vida é fácil para mim. A casa grande, os carros, a família, a corretora.” Dona Carmen fingiu que deu um gole no whiskey desviando o olhar. “Mas a pressão que sofro para manter tudo isso é grande. Você, mais do que ninguém, sabe quanto dei duro para chegar até aqui.” E Dona Carmen realmente sabia. Era ela que superfaturava os gastos com publicidade e gerava rendas fictícias para os relatórios e balanços. “Agora, porque o barco está passando pelo mar tempestuoso, esses ratos querem abandonar o navio? Nós vamos passar por mais essa provação.” Dona Carmen tentava pensar em coisas felizes, que justificassem a necessidade de ainda estar ali, como os primeiros passos da pequena Luana em sua direção na Páscoa de 2000 na Praia Grande. “Lembra como a corretora era pequena quando você chegou aqui? Era só aquelas duas salinhas e o banheiro. Hoje ocupamos o andar inteiro!” Naquela época Dona Carmen era só uma jovem adulta tentando pagar as contas e conquistar o mundo. Com um certo carinho, ela se lembrou de Dona Iolanda, a senhora que limpava o prédio naqueles tempos. Toda semana ela comprava um queijo que o irmão dela fazia em Jundiaí e trazia nas sextas. 

Pensar em Dona Iolanda e nos cafés da manhã com o hoje marido, mas naquela época só um affair, Paulo (ele adorava queijo) tirou um leve sorriso de Dona Carmen. Dr. Carlos achou que a bebida estava amolecendo as tensões. “Estou sentindo falta daqueles dias que ficávamos só nós dois aqui até altas horas comemorando a aprovação dos relatórios.” O pé do Dr. Carlos começou a subir nas pernas de Dona Carmen, que se endireitou na cadeira e deu uma golada em seu copo enquanto tirava o pé de Dr. Carlos de sua coxa. “Isso faz muito tempo. As coisas agora são diferentes Dr. Carlos.” Dona Carmen sentia o estômago encolher enquanto um afobado Dr. Carlos avançava nos seus seios com uma mão, enfiava a outra no meio da suas pernas, lambia sua orelha e esfregava suor na sua cara. “São, são diferentes sim. Hoje você ganha quinze contos por mês, viaja para Europa todo ano, tem chácara em Ibiúna.” Dona Carmen travou na cadeira sem conseguir reagir. A única coisa que passava por sua cabeça era não. “Não.” Dona Carmen tentava se afastar, mas não conseguia juntar forças para empurrar Dr. Carlos para longe. “Vamos lá, estou sentindo que você também quer.” Ele abriu a braguilha da calça e tirou o pau para fora. Depois levantou a saia de Dona Carmen e colocou a calcinha dela de lado. “Não, não, não.” Dona Carmen ameaçou gritar e Dr. Carlos tapou sua boca com uma mão, abriu as pernas dela com o joelho, e enfiou com força. Dona Carmen sentia o suor dele escorrer pelo seu pescoço e chorava contidamente com a respiração presa.

Em poucos segundos Dr. Carlos gozou e soltou o corpo em cima de Dona Carmen, que soluçava completamente atônita. Ele se levantou, ajeitou a calça e falou num tom meio displicente enquanto olhava para Dona Carmen sentada, ainda com as pernas entreabertas e o rosto vermelho com lágrimas escorrendo. “Talvez eu tenha me descontrolado um pouco, desculpe se fui meio rude desta vez. Eu estava precisando muito, bebi um pouco mais do que devia. Essas coisas. Sei que você entende. Fique tranquila, nós somos amigos. Nunca deixarei que algo de ruim lhe aconteça.” Dr. Carlos ajeitou o paletó balançando o corpo, tirou um maço de notas de cem da carteira e deixou em cima da mesa. “Para você se recompor.” Dona Carmen juntou suas forças e deu com o vaso de centro na cabeça de Dr. Carlos quando ele virou as costas. O corpo dele caiu de bruço sem reação. Dona Carmen montou nas costas de Dr. Carlos e segurando o vaso com as duas mãos acertou a cabeça dele pelo menos mais cinco vezes. Depois se levantou, saiu da sala, e fechou a porta.

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